Os desafios da epidemia da doença renal crônica
O artigo “Motivos e freqüência de internação dos pacientes com insuficiência renal crônica em tratamento hemodialítico”, de Andreza B. Marques; Daiane C. Pereira; Rita C. H. M. Ribeiro, publicado nesta edição do Arquivos de Ciências da Saúde, além de demonstrar que a confecção e complicações dos acessos vasculares para hemodiálise são as principais causas de internação destes pacientes, tem o mérito de trazer para discussão inúmeros enfoques da doença renal crônica.
Atualmente, a doença renal crônica é considerada um problema mundial de saúde pública, estimando-se em 1,5 milhão de pessoas que utilizam terapêutica dialítica, devendo este número dobrar nos próximos 10 anos. Não é difícil prever o enorme impacto social e econômico no sistema de saúde, principalmente em países em desenvolvimento, que ficarão quase impossibilitados de destinar recursos financeiros suficientes para viabilizar a terapêutica renal substitutiva adequada.
Dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, baseados no censo de 2005 dos centros de diálise, relatam que 65.000 pacientes estão em tratamento dialítico (90% em hemodiálise). Junto com o bem sucedido programa de transplante renal, o segundo maior do mundo em números absolutos de transplantes realizados, custa por ano 1,5 bilhão de reais, quase 10% do orçamento anual do Ministério da Saúde.
Os números acima ainda estão longe da realidade, pois embora nossa incidência de novos casos varie nas diversas regiões brasileiras, sendo na região Norte 40 pacientes por milhão de população (p.m.p.), na região Sudeste 139/ p.m.p., há um aumento contínuo (10% nos últimos anos) do número de pacientes que entram em programa dialítico. Isto nos dá uma prevalência de 300/p.m.p., muito aquém do Japão (2000/ p.m.p.), Estados Unidos (1500/ p.m.p.), Europa (800/ p.m.p.), América Latina - SLANH (443/ p.m.p.) e certamente reforça a premissa de que milhares de pacientes morrem antes de terem acesso ao tratamento de terapia renal substitutiva (Diálise e Transplante).
Estima-se que 1,5 milhão de brasileiros tem função renal comprometida e a maioria está entre os portadores de diabetes mellitus e hipertensão arterial, as duas principais causas de IRC. Ambas as patologias são de alta prevalência na população brasileira e primariamente atendidos por inúmeras especialidades (médicos generalistas, endocrinologistas, cardiologistas, etc.) que tem fundamental importância em prevenir e detectar a disfunção renal inicial.
A doença renal crônica tem caráter progressivo, insidioso e na maioria das vezes assintomático, sendo essencial medidas de saúde pública para detecção precoce da DRC, e com tratamento adequado retardar sua progressão, prevenir as complicações e comorbidades e preparar adequadamente, nos casos mais avançados, para a terapia renal substitutiva, assegurando a confecção do acesso vascular antes da inevitável internação nas unidades de urgência da rede hospitalar.
O Ministério da Saúde, sensível a estes dados, instituiu através de portaria (nº 1168- Junho de 2004) a política nacional de atenção aos portadores de doença renal, porém até o momento, infelizmente, não foi colocada em prática.
Não é mais possível adiar medidas drásticas para reverter o cenário sombrio desta verdadeira epidemia, ou estaremos em futuro breve, lamentando a impossibilidade de assegurar o tratamento e a vida destes pacientes.
Horácio José Ramalho
Professor de Nefrologia
Hospital de Base e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto